9.20.2015

o dia em que começaste a morrer

"Morremos quando não há mais ninguém por quem tenhamos vontade de viver. Suponho que foi o que aconteceu contigo. Começaste a morrer no dia em que pela primeira vez quiseste matar-me, no teu coração. E morreste literalmente quando, por fim, percebeste que tinhas matado a última pessoa por quem tinhas tido vontade de viver. Foi o que quiseste que eu soubesse quando já nada havia a fazer, a não ser aceitar o inevitável, não foi? E é precisamente isso que mais me dói, agora. Sabê-lo e não poder reverter a situação. Sabê-lo e não poder ir ao teu encontro, para recomeçarmos do ponto onde ficamos, independentemente do desfecho final. Para te dizer que errámos os dois quando tu me voltaste as costas, sem uma explicação e eu, cansada de sentir o teu desprendimento, desisti, quando o nosso desafio era, precisamente, encararmo-nos de frente, abrirmo-nos ao poder curativo do amor. Creio que o teu erro, desde o início, foi gerar a expectativa de que eu te salvaria da sensação de vazio provocada por esse enorme buraco negro que carregavas. E que o meu erro foi desvalorizá-lo, acreditando que te poderia salvar, sem que eu própria fosse, por ele, tragada. O tal buraco negro de que me preveniste, assim que me conheceste. Tinhas plena consciência da sua existência e do seu perigo. Costumavas intitular-te de Não-Ser, numa alusão à tua não existência enquanto Ser. Creio que nunca te levei verdadeiramente a sério, nem mesmo quando tudo à nossa volta parecia desmoronar, sugado por essa energia estranha que te corroía a alma. A tua forte personalidade, a tua presença de espírito e a profundidade das nossas conversas eram mais do que suficientes para que eu refutasse essa ideia, acreditando ter provas do contrário. Erro meu que, levada pelas minhas expectativas e pelo teu sedutor e brilhante lado luminoso, apenas quis ver o que me interessava ver e descuidei os pequenos sinais que ias revelando. Efectivamente tinhas a consciência de que não eras senão uma sombra do que querias ser, um sorvedouro da vida e das energias que desejavas. E o que era isso, afinal, senão uma pseudo-existência? Uma existência dissoluta, contrária à verdadeira existência? Interrogo-me, agora, sobre onde poderíamos ter chegado se não tivesse ignorado os teus sinais… Quando partiste senti-me magoada, defraudada, profundamente ferida e concluí que, realmente, não passavas de uma ilusão de óptica, uma espécie de armadilha, por detrás da qual ocultavas o tal buraco negro para onde, por uma espécie de atracão fatal, me havias conduzido. O desnorte, a raiva, o despeito de me sentir abandonada e traída nas minhas certezas, falaram mais alto. No momento não me era possível fazer outra análise. Não via o teu sofrimento. Não sentia o teu desaire por perceberes que, afinal, nada, nem ninguém (nem mesmo eu) te poderia salvar da escuridão que te consumia por dentro. Caíam por terra as tuas ilusões de resgate. Afastavas-te, porque morrias à míngua de qualquer coisa. Qualquer coisa, enorme, funda, sem nome. Qualquer coisa que não te deixava fazer as pazes contigo nem com a vida. Tal como chegaste, partias para outros lugares, em busca de outros ares, de outras emoções, de outros amores, que te prendessem e enraizassem, que te fizessem esquecer aquilo de que fugias. Só não sabias era que amor nenhum, nenhures, te poderia salvar de ti mesmo, da tua falta de amor-próprio, dos muros de culpa e de silêncio de que te cercavas, dessa secura que te agastava, torturava e deixava à morte. Porque amor nenhum tem o poder que lhe negamos. Amor nenhum pode salvar quem se trata, a si próprio, como um condenado..."

 por Maria José Martins



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